Hoje sonhei que estava em minha antiga casa sozinho, enchendo de água uma garrafa dessas térmicas, planejando sair para correr em um dia nublado. Depois que saí, dei-me conta de que havia esquecido algo que agora não lembro mais. Quando voltei em casa, não estava mais sozinho: estavam Paola, minha irmã, Wallace e Rafael, um amigo que quase morava conosco e outro que morava de fato, e meu pai, todos num clima meio tenso, procurando algo que houvera sumido. Apesar do ambiente, eu passei pelo pessoal carregando meio jeito aéreo de ser, pensando em pegar logo aquilo viera buscar e partir logo, a tempo de aproveitar a chuva que cairia a qualquer momento e que acabaria num momento qualquer.
Na cozinha, onde o rádio sempre ficava ligado, meu pai vestia seu casaco de couro marrom que usava em dias frios. Quando me viu, perguntou algo que não me lembro, mas que tinha relação com o que todos estavam procurando. Naquele momento, tocava uma música que só existiu no sonho. Era um sucesso popular dançante, desses que o povo canta décor, com uma letra forte sobre o amor que se sente por alguém. Por um motivo que não me fez o menor sentido naquela hora, abracei papai e cantei com ele, mexendo de um lado para o outro, numa alegria que só aquela música poderia expressar. Depois olhei para ele e disse que iria correr para aproveitar a chuva e acordei.
Hoje faz um ano que papai se foi, mas sonhar com ele assim desse jeito me faz sentir que partir, de fato, ele nunca irá. Pensar sobre isso me faz sentir quase a mesma alegria que sentia enquanto ouvia aquela música.
Eu sou uma pessoa cética logo, para mim, o mundo em que vivemos e os momentos nele são aquilo o que mais tem valor. Sonhar com papai hoje, ainda mais nessas condições, fez-me sentir um pouco do mundo mais rico dos crentes. É como se papai tivesse vindo me visitar e saber como estou. Fico muito feliz por tê-lo abraçado e cantado em seu ouvido uma música que só nós conhecemos.